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terça-feira, maio 27, 2008

Os Sítios Por Onde Passámos

Os sítios por onde passámos continuarão a ser, tão somente, os sítios
[por onde passámos.
Enquanto um de nós for vivo, os nomes não importam, os monumentos não importam, os jardins não importam. Existiam mesmo sem nós, no entanto, não teriam a beleza harmoniosa com que os vimos, com que os pisámos, com que os vivemos. Os sítios
[por onde passámos,
existem assim como os conhecemos por nos conhecermos, porque juntos e
[juntos estivémos,
porque vivos estamos. Porque estamos. Onde estamos? Onde quer que estejemos, estamos nos sítios onde estivémos. Enquanto um de nós não morrer, os sítios
[por onde passámos
continuarão a ser apenas os sítios por onde passámos: sem nome, sem Lisboa:
[sem sítio algum.


27 de Maio 2008
Hugo Sousa

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Dói-lhe Os Dentes II

Se anteontem o dia me parecia mais novo, ontem notava-lhe as rugas e doia-me os dentes, hoje vejo-lhe o cadáver e dói-me os dentes. Dói-lhe os dentes - dizem, outra vez, os mais atentos -, passa o tempo com a mão no lado direito da cara e encolhe os olhos como se a dor neles fosse. Hão-de vir dores piores - dizem os atentos mais velhos -, como se esta dor não fosse suficientemente dolorosa para ser levada a sério.

O cadáver transformou-se em pó, a poeira que o vento transporta para outros lugares. Ontem doia-lhe os dentes e, hoje, continua a mais chata das dores. E quando passar? Quem vai alimentar a dor?, perguntou um dos atentos com meia-idade. A dor alimentará a dor, e a dor alimentada pela dor alimentará a vida. Depois vem o amor e mais uma mão cheia de velhices, respondeu o atento mais velho antes de morrer.

Por enquanto só me dói os dentes. Da cidade sobrou o pó, do atento mais velho sobrou o cadáver e de mim vai sobrando dores de dentes. Ninguém quer tirar-me um pouco desta dor?

31 (a meio, como se fosse outro dia) de Janeiro 2008
Hugo Sousa

Dói-lhe Os Dentes

Se ontem as ruas eram mais novas, hoje noto-lhes as rugas, os olhos desapontados, as peles sujas e, bem no centro da cidade, o coração sem batimentos cardiacos. Dói-lhe os dentes - dizem as bocas dos mais atentos -, entrou na noite com um leve sabor a desalento e caminhou nela com uma dor crescente. Acordou ainda não era de madrugada e viu-se sozinho no entoar dos passos, sem gritos desalmados, nos bancos vazios, em todo o lado. Dói-lhe os dentes - dizem as bocas dos mais atentos - sem a idade que corre não os teria mas, se a idade correr depressa demais, também fica sem eles. E depois? Quem vai alimentar a dor?, perguntou a boca de um dos atentos mais novos. O amor encarregar-se-á disso, respondeu com a boca o coração de um dos atentos mais velhos. Por enquanto, dói-lhe só os dentes, dizem as bocas dos atentos.


31 de Janeiro 2008
Hugo Sousa

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Existo, Não Existo

quando é que serei o melhor sem ser, momentos depois, o pior? as palavras magoaram há uns dias. voltaram a magoar nestes dias. a memória encurta, sem vislumbramento. no esquecimento vive agora aquele domingo. voltei a ser o pior momentos depois de ser o melhor. até onde vão chegar os teus caprichos? o baloiço que sou, enferruja a cada momento. cima-atrás, cima-frente, cima-atrás, cima-frente, não mais. cansas-me a auto-confiança. existo, não existo. o pêndulo substitui o baloiço. deixo de ser o melhor ou o pior, passo a existir e a não existir. tanto marcam as recordações como incendeiam as ofensas. és feliz mas não és feliz. quando me dizes ser o melhor és feliz, quando não és feliz dizes-me ser o pior. o baloiço parou. agora, o pêndulo é movimentado pelo vento. pelo vento das tuas palavras. existo, não existo.


21 de Dezembro 2007
Hugo Sousa

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Hoje Não.

o fogo avança inconsequente, a água que lhe segue o rasto é suficiente. não há nada importante para queimar.
hoje não vás. não me deixes antes do fogo nos alcançar, antes do fogo aqui chegar. hoje não.


19 de Dezembro 2007
Hugo Sousa

quarta-feira, novembro 21, 2007

Não És Minha

corpos aconchegados, chega a parecer que és minha. momentos que iludem e depois explodem por me fazerem pensar que és minha. não és minha, és de alguém. não és minha e eu morro. sou teu, sou só teu que não és minha. és de alguém.


21 de Novembro 2007
Hugo Sousa

segunda-feira, novembro 19, 2007

Quanto Tempo Falta

quanto tempo falta até me largares no rio? para o disfarce das lágrimas, é o melhor refúgio. o som cristalino morre nos ouvidos, a dança moribunda não me chega aos pés. da arpa restam as cordas. a madeira serviu para nos aquecer. naquela fogueira ardia a arpa. instrumento dos sonhos, ritmo caótico e tenebroso. perdido nas chamas, queimo o espaço vazio entre o fogo e o olhar. "nunca me deixes", gritava eu na chama vermelha alaranjada, ateada dentro de mim bem junto à cabeça. tu estavas a meu lado só para te aqueceres. quanto tempo falta para me deixares?

peço socorro, arranho a pele e sujo o espelho com sangue de cobra.


19 de Novembro 2007
Hugo Sousa

terça-feira, novembro 06, 2007

" ?! "

Ora, qual importância a minha? O que é realmente importante não se importa comigo. Qual importância a minha?

O amor que não salvaste, foi um amor que nunca amaste.


06 Novembro 2007
Hugo Sousa

sábado, junho 09, 2007

Espera Ansiosa

é com uma espera ansiosa que as horas vão passando. no estômago sinto uma mó capaz de triturar coisas da melhor e pior espécie. não vens. não dizes nada e eu com raiva. não sei bem se é raiva ou se é qualquer coisa que se sente quando esperamos e a espera não acaba. é qualquer coisa consequente a uma espera, porque preciso de atenção. e tu não vens. ganho vontade de te odiar. secalhar já te odeio mas, sei também que te amo. estas esperas assim devem ser de quem odeia ou então, são esperas ansiosas, de quem ama. as duas coisas. uma mais que a outra, qual delas a maior não sei. a maior é a espera em si, a espera com o ódio e o amor juntos. uma história num quarto, onde a espera assume o comando das palavras. em todas as mãos, em todos os dedos, a espera. cabeça pousada nas mãos e nos dedos. as mãos e os dedos a coçar e a sacudir os cabelos com desespero. na barriga, perto do estômago mas no lado de fora da pele, as mãos e os dedos amassam a carne na esperança de o apaziguar. a espera é uma guerra. o mundo numa guerra cá dentro, até nas entrenhas. o estômago parece-me que sobe à cabeça, os braços ficam-me moles e sem força. a ânsia da espera corre-me no corpo todo. e tu não vens. não dizes nada. amo-te. odeio a espera com ânsia. tu dás-me e fazes-me sentir as duas coisas. amo-te e odeio-te. a minha cabeça já é o estômago. as minhas mãos já não são o mártir da espera, são o transporte entre a realidade e o sangue. alguma coisa vincada na pele desesperada faz-me sangrar. e tu não vens. não dizes nada.


Hugo Sousa

Se A Morte Chegar Entre Os Dias

e se a morte chegar entre os dias? tu não vais saber. ninguém te conhece para te informar. os que conhecem não sabem como chegar a ti. vais só sentir uma ausência, uma ausência quase religiosa: conheces que existi mas, não sabes se ainda existo ou se morri. uma ausência mais presente que a tua ausência em mim. se a morte chegar entre os dias vai adorar-te. deste-lhe vida. se a morte chegar vou-me rir, vou-me massacrar até não me conseguir mexer. a ausência também não se vai mexer. vai nascer e vai por ali ficar. ao pé de ti - a ausência. tu e a ausência. juntas, são parecidas. não denoto qualquer diferença. não vais chorar porque não vais saber. se soubesses não ias chorar. sabias e por saberes não ias chorar, não faz diferença. não vais gritar. não vais gritar na companhia da ausência. não vais sofrer, a ausência alimenta-se da ausência: tu, ausência, alimentaste da outra ausência que vai chegar: a morte alimenta a ausência porque vou morrer e fico longe: ausente. se a morte chegar entre os dias, podes deixar a mentira. aproveita para largar a mentira. deixa as invenções para os estudiosos. a morte apareceu entre nós, morreu-nos. entre os dias vais chegar só para mim. morrer-me. vais aprender a amar. saber que tal como os corpos, o amor quer ser alimentado. vais aprender a amar a morte. a ausência. e se a morte chegar entre os dias? nada tem a mesma importância que a importância por nós dada. estou aqui, dou importância aqui mas, não é aqui que está a total importância devidamente dada. o dia não pode ter a mesma importância que a noite. a noite não tem a mesma importância que o dia. e se a morte chegar entre os dias, vou deixar um espaço vazio na vida e vou ocupar um espaço morto no cemitério. uma placa com algumas letras cravadas vai apresentar-me. uma fotografia vai a preto e branco, o que sou, vai formalizar um corpo que existiu vivo e agora não existe morto. e se a morte chegar entre os dias? a ausência chega entre os dias. tu só existes entre os dias. a morte vai chegar entre os dias, a qualquer hora e só me vai avisar a mim. ou eu vou avisar a morte.

Hugo Sousa

quarta-feira, maio 30, 2007

Doer É Quase Morrer

é preciso morrer para mais ser que pessoa. as cabanas dos sonhos, cercadas por água azul transparente, são dos sonhos. os sonhos são o caminho poeirento da morte. por chegar ao fim vou deixar de sentir. vou encerrar os olhos como se baixam os panos ao acabar o espectáculo. os bocados de carne separam-se do bocado maior de carne. o sangue é pouco e nem chega a ser suficiente para rastejar no chão. olhos abertos ou olhos fechados, tudo nubleado. nevoeiro cerrado para lá e para cá de mim. nevoeiro cego de olhos abertos e olhos fechados. logo agora que sentir já não sinto, fazia-me falta ver. ver só por ver, para não ficar petrificado entre as pedras de casa. ver só por ver sem sentir que já não sinto. e morrer. que falta faz morrer sem razão, já que não sinto. se não sinto é morrer sem razão. razão, sempre o objectivo de qualquer conversa com mais de uma palavra. até mesmo só com uma palavra. sim, não, sim são razões. de olhos abertos ou fechados são sempre razões, com nevoeiro ou sem ele. os dias acontecem com ou sem o meu nevoeiro de olhos abertos ou fechados. fechados! espaço fechado e apertado, a asfixiar os suspiros. o medo impresso no gatilho da pistola pronta a acabar com a vida. o medo na pistola. na vida. o medo e a pistola na vida. a vida no medo e quase na pistola. a vida no medo e o medo na vida da vida. suspiros apertados a asfixiar o espaço fechado. as mesmas coisas de maneiras diferentes. as mesmas gentes de maneiras diferentes. os corações iguais envolvidos nas diferenças. só me dói não doer mais para a vida no medo ser mais forte que o medo impresso no gatilho da pistola pronta a disparar. dois estrondos. comecei a ser mais que mais um.


30 Maio 2007
Hugo Sousa

quarta-feira, maio 23, 2007

Gostamos De Cerejas, Arranca-me Os Olhos

charcos ressequidos, ligeiramente húmidos de ferrugem. com pedra fraca sobre pedra enfraquecida se controem casas. as ervas dão vida a ervas, água alimenta-lhes o crescimento. a faísca de dois pensamentos opostos. crepúsculo ascendente num fio, crescente, de escadas. loucos sem dar conta. só no cordão umbilical restou o verdadeiro sangue. Desconfugo é um gajo normal. dietéticas ilusões de verão nas mulheres. Desconfugo é um gajo normal.


23 Maio 2007
Hugo Sousa

sexta-feira, abril 27, 2007

A Minha Vontade, A Minha Percepção

as horas são número que me situam no tempo. o tempo é qualquer coisa que sinto passar. visões em excesso de velocidade no meu passeio mental, pensamentos embriagados conduzem no trafego por eles criados. borboletas pousadas na fronteira entre o olhar e a percepção, dão um colorido extravagante ao abismo. um arco-íris no abismo, que contradição - até no mundo só existe tal aglomerado colorido se houver chuva e sol em perfeita união -. uma contradição das contradições.
no momento preciso da verdade, vou sussurrar-te ao ouvido quantos foram os dias que devias ter chorado e aí, aí vais querer sufocar-me com um abraço. vais abraçar o ar. vais abraçar o ar que pode ser abraçado por todos porque eu, eu vou deixar-te sozinha e a chorar pelo que não fizeste na minha involuntária ausência. pelo que não fizeste nos dias que devias ter chorado.
resumidamente, é esta percepção que alcanço quando qualquer coisa olho e te recordo. se há coisas valiosas nos sentimentos, adormeço todas as noites com a esperança que guardes um tesouro. vivo todos os dias à espera que eu tenha sido um diamante para que me dês valor. se guardares um tesouro.


Hugo Sousa
27 Abril 2007

Espaço Libertino

sempre fui um morto que escolheu viver mortificado. as razão podem não ser as mais plausíveis mas, na verdade, nunca quis usar no dedo a aliança que me unia verdadeiramente à vida. na falta de cor da noite, se me imunizar da luz proveninente dos candeeiros nocturnos, sinto a solidão mais forte. sinto a morte mais forte. sinto...sinto peixes a nadar na minha cabeça; sinto...sinto um latejar além do pensamento, que me amedronta; sinto...sinto que não sei mais o que sinto.
o chão perpendicular à minha elevação está ameno, no sofá torna-se previsível um fraquejar ao meu sentar. está tão farto quanto eu de pesos e movimentos plenos, apelativos ao comodismo. paredes erguidas formam esquinas por onde a espera já passou, mostram vaidosamente a desconhecida camada de tinta que, tão enganosamente nos dizem, a protege. se a protecção fosse resumida em tinta, pintar-me-ia da cor mais clara para ser confundido no dia. os quadros na parede tentam formalizar a simpatia. o espelho circunscrito por madeira reflecte as imagens de uma realidade. o que transfigurará quando nenhuns olhos o presenciam?
as dúvidas tornam-se pele a soltar-se da pele no corpo escaldado, puxam-se pela ponta e vem o universo duvidoso atrás. o espelho. as cortinas trabalham no ofício de me esconder, de me camuflar do dia. como a tinta na parede mas de uma forma mais certa, as cortinas protegem-me da realidade exterior e longiqua à minha presença. a minha cruel presença, indefinida na importância do que é realidade. a minha presença morta por não querer aliar-se à vida. a minha presença só respira a minha presença num espaço que vive comigo. a minha presença só conhece o silêncio, só conhece o silêncio e o pensamento silêncioso.


27 Abril 2007
Hugo Sousa

quarta-feira, abril 25, 2007

A Casa Vestia-se De Roupas

a casa vestia-se de roupas com cores estridentes. nas pernas usava umas calças repletas de fotografias carregadas de paisagens e pessoas de passagem. sobre o tronco, panos indefinidos pregados na parede assombrados por cada sonho e na cabeça, um telhado já velho, um chapéu calejado pelo trabalho do tempo.
enquanto ainda não é noite, vou aproveitar cada película do dia para não ser eu, descansar e ganhar forças: para não ser eu. vivo noites mais longas que os dias, morro mais na claridade e no movimento. a solidão e todo um cenário escuro são os ingredientes certos para me cozinhar, para ferver e explodir fechado na casa como uma panela.
o futuro desenha incapacidade na pele, aprisiona e tortura-me a alma com o medo. o medo sempre presente como um deus. o medo. o silêncio do eu para mim.

aquilo que vos falo
é o disfarce do silêncio,
a defesa para que nunca acabe,
a mentira do «está tudo bem».
o silêncio interior
a defender-se com uma capa
colorida de socialização.


22 Abril 2007
Hugo Sousa