e se a morte chegar entre os dias? tu não vais saber. ninguém te conhece para te informar. os que conhecem não sabem como chegar a ti. vais só sentir uma ausência, uma ausência quase religiosa: conheces que existi mas, não sabes se ainda existo ou se morri. uma ausência mais presente que a tua ausência em mim. se a morte chegar entre os dias vai adorar-te. deste-lhe vida. se a morte chegar vou-me rir, vou-me massacrar até não me conseguir mexer. a ausência também não se vai mexer. vai nascer e vai por ali ficar. ao pé de ti - a ausência. tu e a ausência. juntas, são parecidas. não denoto qualquer diferença. não vais chorar porque não vais saber. se soubesses não ias chorar. sabias e por saberes não ias chorar, não faz diferença. não vais gritar. não vais gritar na companhia da ausência. não vais sofrer, a ausência alimenta-se da ausência: tu, ausência, alimentaste da outra ausência que vai chegar: a morte alimenta a ausência porque vou morrer e fico longe: ausente. se a morte chegar entre os dias, podes deixar a mentira. aproveita para largar a mentira. deixa as invenções para os estudiosos. a morte apareceu entre nós, morreu-nos. entre os dias vais chegar só para mim. morrer-me. vais aprender a amar. saber que tal como os corpos, o amor quer ser alimentado. vais aprender a amar a morte. a ausência. e se a morte chegar entre os dias? nada tem a mesma importância que a importância por nós dada. estou aqui, dou importância aqui mas, não é aqui que está a total importância devidamente dada. o dia não pode ter a mesma importância que a noite. a noite não tem a mesma importância que o dia. e se a morte chegar entre os dias, vou deixar um espaço vazio na vida e vou ocupar um espaço morto no cemitério. uma placa com algumas letras cravadas vai apresentar-me. uma fotografia vai a preto e branco, o que sou, vai formalizar um corpo que existiu vivo e agora não existe morto. e se a morte chegar entre os dias? a ausência chega entre os dias. tu só existes entre os dias. a morte vai chegar entre os dias, a qualquer hora e só me vai avisar a mim. ou eu vou avisar a morte.
Hugo Sousa
1 comentário:
Impressionante como as palavras simples me enchem a alma.
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