segunda-feira, março 12, 2007

Quando Aquele Amigo, Que Pouco Conhecia, Morreu

Esta noite acabou triste,
deitado, caído naquele palanque seguro por duas molas,
no poderoso descanso inconsciente de quem já não sente.
Um homem deixou a vida ao amanhecer,
aquela estrondosa doença venceu as forças que lhe restavam.
Não foi um simples homem como todos aqueles
que desconhecemos, aqueles que passam na rua e não nos trocam cumprimentos,
não foi um homem que nunca conheci, embora o que conheci tenha sido pouco.
Jamais será um homem qualquer
e nunca o será porque o conhecia, embora não muito,
mas sei que não era um homem qualquer:
atravessava a estrada para um aperto de mão,
não fingia que passava e não se apercebia da minha presença,
da tua presença, da nossa presença;
elevou a mais sagrada crença da humildade,
não brotava de tristeza mas também não sucumbia elevada felicidade;
calmo, como o pôr do sol no Verão visto da praia,
como um avião quando atravessa a terra em dias de céu limpo,
calmo como eu nunca consegui ser.
Deixou-me, deixou-te, deixou-nos e herdamos a enorme saudade
que por muita dúvida minha e insisto: o tempo não apagará.
Estás presente na nossa honesta presença seja em que lugar for,
a minha voz é a tua voz, a minha viva e a tua morta mas, mesmo morta,
é a tua voz que faz a minha soar mais alto,
é o saber que não eras um homem qualquer que me faz falar,
que insiste em não me tornar mudo.
Eu próprio sei que não acredito na vida p'ra além da morte mas, porém,
no nosso inconsciente morto, o teu já o está e o meu um dia também estará,
sei que nos vamos encontrar e, não preciso acreditar na vida além da morte,
basta-me crer e basta-me sentir que, no dia em que o meu insconsciente também morrer,
alguém vai ler isto que agora escrevo e,
na mais plena harmonia, os nossos inconscientes mortos
vão receber-se mutuamente de braços abertos.

HUGO SOUSA

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