segunda-feira, abril 18, 2005

Sem Nome II

.1
-
-
Painel
de câncro,
nostálgica lembrança
de ti,
mata-me
o sabor,
espasmos de
loucura
desencantam o suor
das coisas.
ser pintado
de preto e
vestir de morte
todo o corpo
de quem imagino,
há silêncio
pensado à
tua volta,
entre tudo, a
tua voz não
consegue falar,
vive a noite
que penetrou em ti.
mas não é dai
que nascem as estrelas,
onde adormecem
os mortos que
ainda respiram,
é onde se perdem
os melancólicos
olhos que não vêm.
existe branco e tão branco
onde dormes
e vês-te vazio
és aquele que
te acompanha
-
-
-
.2
-
-
escrevia-te deitada na cama
nos sonhos que pensavas existirem e
sorrias enquanto dormias e
eu escrevia-te deitada nos lençóis
via as palpebras dos teus olhos aterrorizadas
e um traço facial de susto que
eu escrevi enquanto te escrevia deitada
em ti com a tua pele a sentir-te
e a suster todos os balanços
sentimentais que fingias não serem teus
e os meus escreviam-te deitada em
bocados de lágrimas que corriam dos pássaros
e ao sabor de todo o fruto que
eu escrevia ao tempo que te escrevia deitada
sobre a morte que te segue
enquanto dormes em preto e branco
dentro de ti
-
-
-
.3
-
-
dizem que a solidão me conheceu,
enquanto eu lhe escrevia, e
deixou-me partindo para as pernas de outro alguém.
ela, continuava deitada sobre a cama
e eu, continuava a escrever-lhe como se nunca estivesse sózinho.
admito, a solidão beijou-me,
fez-me mover a caneta com que lhe escrevia
e olhá-la uma vez mais, enquanto ela dormia
e eu escrevia-lhe.
a solidão foi-se embora,
enquanto eu conseguia e teimava em escrever-lhe.
não, eu não escrevia à solidão,
a solidão é que me fazia escrever a ela,
mulher deitada sobre os lençóis,
enquanto eu lhe escrevia.
-
-
-
.4
intacta, permanecia no sonho,
deitada sobre aquela cama que em tempos, enquanto vivia aquela mulher,
rangia com os movimentos bruscos dos corpos, e
caía uma vez por outra um parafuso de tanta velhice
que aquela cama já tinha.
não abria os olhos e, todo aquele painel,
vertiginoso, pálido e absorvente
continuava deitado sobre a cama, ela
que já não vivia, sonhava e dizia-se feliz, sem querer acordar.
não o sentia, não conseguia ler o que eu lhe escrevia,
nem conseguia perceber que as flores
murcham todo o ano, por vezes nem chegam a nascer,
não percebia que sempre que chove,
a recordo na horizontal, deitada a dormir,
relembro todos os momentos que a cama,
onde agora vive sem acordar,
fazia um ruido de raiva, sempre que
os corpos se movimentavam bruscamente.
ela ainda se acompanha, é a única companhia
que permanece dentro dela, mesmo sem acordar
toda aquela beleza que lhe conhecia,
vivia só dentro dela, e só para ela
agora que já não acorda,
e eu continuo a escrever-lhe.
-
-
fim
-
HUGO SOUSA (NightBird)

Sem comentários: