quinta-feira, janeiro 31, 2008

Dói-lhe Os Dentes II

Se anteontem o dia me parecia mais novo, ontem notava-lhe as rugas e doia-me os dentes, hoje vejo-lhe o cadáver e dói-me os dentes. Dói-lhe os dentes - dizem, outra vez, os mais atentos -, passa o tempo com a mão no lado direito da cara e encolhe os olhos como se a dor neles fosse. Hão-de vir dores piores - dizem os atentos mais velhos -, como se esta dor não fosse suficientemente dolorosa para ser levada a sério.

O cadáver transformou-se em pó, a poeira que o vento transporta para outros lugares. Ontem doia-lhe os dentes e, hoje, continua a mais chata das dores. E quando passar? Quem vai alimentar a dor?, perguntou um dos atentos com meia-idade. A dor alimentará a dor, e a dor alimentada pela dor alimentará a vida. Depois vem o amor e mais uma mão cheia de velhices, respondeu o atento mais velho antes de morrer.

Por enquanto só me dói os dentes. Da cidade sobrou o pó, do atento mais velho sobrou o cadáver e de mim vai sobrando dores de dentes. Ninguém quer tirar-me um pouco desta dor?

31 (a meio, como se fosse outro dia) de Janeiro 2008
Hugo Sousa

2 comentários:

Anónimo disse...

as tentativas foram em vão....pode ser que o alguém te dê outro alento.... não chega, ou seras eterno insatisfeito? esperar pelo amanha....boas novas surgirão.

Anónimo disse...

Teatro grego...me relembra. Em que se usam os coros para criar a personagem morta viva deambulante.Well...apesar disso gostei mais do primeiro, mas de certa forma que vai de encontro a minha maneira de pensar.
Mas sabes o que tenho aprendido??Que ninguem nos tira ou nos faz a dor amolar se não estivrmos emocionalmente disponiveis para tal...retalhos que outrora se vao cozendo é dificil de queimar e deixar passar sem cheirar...nunca oubiste dizer?


boa analogia by the way!